Antônio Augusto de Queiroz*
O elemento central da
conjuntura nacional tem sido a disputa em torno do papel do Estado na economia.
De um lado estão as forças de mercado, especialmente o sistema financeiro privado,
que são apoiadas pela mídia e pela oposição.
E, de outro, estão setores do
governo, apoiados pelos movimentos sociais, que buscam recuperar a capacidade
de o Estado decidir sobre política e economia. A recuperação, pelo governo, dos
instrumentos de decisão do Estado para fazer políticas de interesse nacional e
fazer política econômica, assusta e apavora os neoliberais.
A capacidade de influenciar a
formação dos preços, por exemplo, ajuda na redução de custos, facilita a
formalização da economia e do trabalho, amplia a oferta de bens e serviços,
garante emprego e renda, e cria condições para o investimento produtivo.
A mídia, o mercado financeiro
e a oposição discordam desse modelo, que foi iniciado no governo Lula e
aprofundado no governo Dilma. Reagem com hostilidade à intervenção do Estado na
regulação da taxa de retorno de alguns setores da economia, inclusive naquelas
áreas/setores objeto de concessão de serviços ou bens públicos.
Desde o governo FHC, passando
por Lula e Dilma a geração de emprego e a distribuição de renda variaram, para
baixo ou para cima, na exata proporção do alinhamento dos governos com o
mercado financeiro ou com o setor produtivo.
Quando a convergência de
preferência da equipe econômica (Fazenda e Banco Central) foi com o mercado
financeiro, a renda e os empregos encolheram. Quando foi com o setor produtivo,
cresceram.
Nesse período, passamos por
três fases bem claras.
A primeira fase, de total
sintonia entre equipe econômica e mercado financeiro, corresponde aos oito anos
do governo FHC e os primeiros anos do governo Lula (janeiro de 2003 a março de
2006), exatamente o período em que a Fazenda esteve sob a chefia de Antonio
Palocci e o Banco Central sob a presidência de Henrique Meirelles.
Na segunda fase, compreendida
entre o restante do primeiro e todo o segundo mandato de Lula, houve mudança
nessa convergência: o novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, alinhou-se com o
setor produtivo e o presidente do BC, com o mercado financeiro.
Foi nessa fase que começou a
virada, quando o mercado financeiro perdeu um dos dois (até então) aliados da
equipe econômica. Nela acontece a transição da agenda dos credores para a
agenda do governo, que saiu da condição de devedor para a condição de credor
líquido.
Na terceira fase – relativa ao
governo Dilma, na qual a equipe econômica (Fazenda e BC) se alia ao setor
produtivo –, é que efetivamente são criadas as condições para redução da taxa
de juros e dos spreads bancários, com o conseqüente deslocamento do fluxo de
recursos para o crédito, o consumo e a produção em detrimento da especulação
financeira.
Foi graças a isto que o
Brasil, apesar da crise internacional, continuou gerando emprego e renda.
Apenas a título de ilustração.
Nos dois últimos anos foram aprovadas em favor dos trabalhadores as seguintes
leis:
1) Lei 12.382/2011, que
institui a política de aumento real para o salário mínimo até 2014;
2) Lei 12.440/2011, que cria a
Certidão Negativa de Débito Trabalhista;
3) Lei 12.469/2011, que
determina a correção anual da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física até
2014;
4) Lei 12.506/2011, que amplia
o Aviso Prévio de 30 para até 90 dias;
5) Lei 12.513/2011, que amplia
a formação profissional do trabalhador por meio do Programa Nacional de Acesso
ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec);
6) Lei 12.551/2011, que
reconhece o Teletrabalho;
7) Lei 12.740/2012, que
institui o Adicional de Periculosidade para os vigilantes;
8) Lei 12.761/2012, que
institui o Programa de Cultura do Trabalhador e cria o Vale Cultura;
9) MP 597/2012, que isenta a
participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados do Imposto de Renda até
o limite de R$ 6 mil;
10) Lei 12.790/2013, que
regulamenta a profissão de comerciário, e;
11) EC 72/2013, que estende
aos empregados domésticos os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, previstos no artigo 7º da Constituição Federal.
O que precisa melhorar é a
interlocução e o diálogo com o movimento social que, organizado e mobilizado,
pode contribuir com apoio crítico e apresentar bandeiras e programas que coincidam
com os interesses nacionais e dos trabalhadores.
A ausência de diálogo, apesar
das conquistas, abriu espaço para que setores conservadores do empresariado
nacional, por exemplo, apresentassem uma agenda de 101 pontos para flexibilizar
ou reduzir direitos dos trabalhadores.
Esse é o pano de fundo da
conjuntura política e econômica do Brasil neste momento.
Inicialmente, a mídia, a
serviço do mercado e da oposição, priorizou o denuncismo e a judicialização da
política como arma política.
Com as denúncias, esperavam
satanizar o governo do PT e seus aliados e vencer as eleições.
Com a judicialização da
política, pretendiam escolher com quem disputar eleições, afastando da vida
pública, mediante condenação judicial, nomes carismáticos e com apoio popular,
como Lula e seus aliados, que seriam impedidos de participar das disputas
eleitorais.
Apesar do julgamento do
chamado mensalão e da abertura de investigação pelo Ministério Público contra
Lula, isso não funcionou.
Assim, como o denuncismo e a
judicialização na deram resultados: estão com essa tática desde 2006, agora
passaram para o terrorismo inflacionário.
A nova tática é, em nome do
combate à inflação, forçar o aumento da taxa de juros e dos spreads bancários,
além de conter os ganhos salariais.
Os ganhos com a redução da
conta de luz, com a zeragem dos tributos federais da cesta básica e com o
adiamento de reajuste de combustíveis, entre outros, poderão ser anulados se a
inflação ultrapassar os dois dígitos e houver aumento dos juros ou apagão
energético, outra torcida dos adversários da presidente.
Se isso viesse a se
concretizar – a avaliação corrente é de que não há esse risco – aí sim
atingiria em cheio a popularidade da presidente, que está assentada em três
pilares: a taxa de juros baixa, os programas sociais e a geração de emprego e
renda.
Essa linha de atuação cria
constrangimento e coloca o governo na defensiva, mas não chega ao extremo de o
governo perder o controle. O Banco Central para controlar a inflação, de um
lado, e demonstrar que possui autonomia funcional, de outro, já fez o primeiro
aumento na taxa Selic.
É nesse contexto que foi
deflagrado o processo sucessório, faltando 18 meses para a eleição
presidencial.
Três razões levaram ao
lançamento antecipado.
1) Evitar a campanha do
queremismo – ou a volta de Lula;
Uma eventual campanha pelo
retorno ou a candidatura de Lula fragilizaria o governo e tornaria vulnerável a
campanha de reeleição de Dilma.
2) Forçar um posicionamento
dos aliados, particularmente de Eduardo Campos
Faz todo sentido essa
preocupação. Eduardo, uma vez candidato, se não for para o segundo turno,
forçará a sua realização, retirando votos de Dilma, especialmente no Nordeste.
Se chegar ao segundo turno, é um risco concreto de ganhar a eleição. Ora, se o
PSDB e os tucanos, com todo o desgaste, alcançam mais de 40% dos votos, imagine
Eduardo Campos, que é mais leve e contaria com o apoio incondicional da
oposição.
3) Colocar no colo da
oposição, incluindo dissidentes, eventual descontrole da inflação.
A idéia é polarizar a eleição.
O raciocínio é simples: quem está com Dilma está com os pobres e quem está
contra ela está com os ricos e, por isso, boicota seu governo.
A presidente, que disputa no
exercício do mandato, é franca favorita.
Em primeiro lugar, porque o
ambiente é de continuidade, ou seja, a população está satisfeita com sua
gestão;
Em segundo lugar, porque goza
de grande popularidade e isso por que houve:
1) Ampliação dos programas
sociais;
2) Aumento dos salários e do
emprego formal;
3) Controle da inflação;
4) Queda dos juros, que estão
baixos;
5) Aumento do crédito que,
para os padrões brasileiros, estão baratos; e
6) Redução das contas de
energia elétrica e zeragem dos impostos federais na cesta básica.
Em terceiro lugar porque a
oposição e os dissidentes estão sem discurso e sem projetos alternativos.
Em quarto, porque a oposição
depende do descontrole da inflação, do aumento do juro e de um apagão para
ganhar a eleição. E dificilmente essa catástrofe irá acontecer.
E, em quinto, porque os
opositores dependem de uma série de fatores, como bons palanques, recursos
financeiros e bom tempo de rádio e de TV. E todos têm dificuldades.
Aécio Neves não pacificou seu
partido.
Eduardo Campos tem dissidência
em seu partido, os Ferreira Gomes, do Ceará, não o apóiam.
Marina Silva ainda precisa
criar um partido.
Além disto, apesar da troca de
comando no Congresso, é baixo o risco de descontrole na base ou ameaça da
governabilidade na gestão Dilma.
O governo depende pouco do
Congresso e quem mais poderia criar problemas pertence ao PMDB, partido que tem
o vice-presidente da República.
A grande novidade até a
eleição é que haverá uma forte mobilização dos movimentos sociais, que irão
para a rua dar sustentação ao governo e combater os adversários das conquistas
alcançadas.
(*) Jornalista, analista
político, diretor de Documentação do Diap, colunista da Revista “Teoria e
Debate” e do portal eletrônico “Congresso em Foco”, consultor político, além de
autor dos livros “Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis”,
“Por dentro do governo – como funciona a máquina pública”, “Perfil, Propostas e
Perspectivas do Governo Dilma”, “Movimento sindical – passado, presente e
futuro” e da Cartilha “Noções de Política e Cidadania no Brasil”, entre outros.
Fonte: Diap