“Para uns, falta de trabalho e inutilidade para o mundo; para outros, excesso de trabalho e indisponibilidade para o mundo”.
Alain Supiot
Resumo: Como instrumento de construção da identidade, o trabalho deve ensejar prazer, de modo que o ambiente laboral se mostre como um verdadeiro espaço de afirmação da dignidade humana. Por força dessa assertiva, a principiologia da Constituição Federal de 1988 exige que se encare o trabalhador, quando envolto em seu ambiente de trabalho, como credor de todo o respeito, consideração e proteção, em suas múltiplas dimensões existenciais. Todavia, a prática do assédio moral, principalmente quando visualizado na modalidade organizacional, tem dificultado sobremaneira o alcance desse honroso desiderato. Desponta com elevada urgência, portanto, a temática da degradação do ambiente de trabalho, mais particularmente com relação à saúde mental do trabalhador, cuja ofensa tem propiciado terríveis conseqüências à sociedade. O desafio está em tentar resgatar o prazer no e pelo trabalho.
Em 5 de maio de 1789 o filósofo político Edmund Burke disse, em Londres, no púlpito do Parlamento: “Deu-se um acontecimento sobre o qual é difícil falar, e impossível silenciar”. O nobre orador, invocando violação das “leis eternas da justiça”, exigia o impeachment de Warren Hastings, então comandante da Companhia Inglesa das Índias Orientais[3].
À margem do fato histórico destacado, o que quero enfatizar com essa reprodução é que existem determinadas situações que nos provocam um profundo incômodo. Regra geral, calar-se diante dessas circunstâncias tem o nefasto efeito de gerar uma contundente inquietação de espírito, que não se ajusta, de modo algum, com a cômoda voz do silêncio.
A temática da saúde do trabalhador, na ambiência pós-moderna, é um dos itens dessa específica pauta que forçosamente nos insufla a abrir a boca. Enfim, tratar da temática da saúde do trabalhador é um daqueles temas sobre o qual, mercê de sua intrincada complexidade, sempre será difícil falar, malgrado seja impossível silenciar.
Neste breve arrazoado, procurei reproduzir algumas reflexões que lancei em evento científico cujo tema central foi a saúde mental dos trabalhadores[4]. É um tema profundo. Retrata a visão do trabalhador não apenas no papel social de quem exerce um ofício laboral, mas, bem além disso, expressa a ideia de enxergá-lo como alguém que merece ter dignidade, respeito, atenção e proteção, inclusive na esfera emocional de sua projeção existencial.
Direito do Trabalho
Quando o mundo do trabalho nos é apresentado, logo nos primeiros anos da academia, ou seja, quando estudamos o Direito, Direito do Trabalho principalmente, geralmente assimilamos dois equívocos. Algo, aliás, que nos é transmitido pelos próprios manuais. Vejamos.
Palavra trabalho
O primeiro equívoco que assimilamos é pensar no trabalho como um sacrifício. Que o trabalho, em si, é esforço, é dor. Nessa linha, geralmente se invoca um preceito bíblico dizendo que o trabalho envolve aquilo que alcançamos do suor do próprio rosto[5]. Há, embutido nisso, a noção de enfado, canseira. Percebe-se envolto na palavra “trabalho” um insistente traço de desagradabilidade, como se lhe fosse algo imanente.
Colho do ensejo para desfazer esse equívoco. Mesmo aqueles que não tenham a Bíblia como um livro espiritual, mas apenas como um livro histórico, penso que seja importante esse breve esclarecimento.
É interessante saber que quando a Bíblia fala em “suor do rosto”, no tocante ao trabalho, faz isso em Gênesis, capítulo 3. Ocorre que já em Gênesis, capítulo 2, antes do homem “errar”, antes de recair no que se chama “queda”[6], quando ainda envolvido, segundo a teologia, em um ambiente de perfeição, marcado por um contato diário e prazeroso com Deus, pois bem, já nesse Capítulo 2 vemos Deus ofertar trabalho para Adão. Atribuiu-lhe, naquela ocasião, segundo as Escrituras, as tarefas de lavrar e guardar o Jardim do Éden[7]. Além disso, Deus deu ao homem a honra de conferir nome a todos os animais criados[8].
O que concluímos disso? Que o trabalho, biblicamente falando, em sua origem, bem ao contrário do que comumente se propala, era uma verdadeira expressão de prazer, era um elemento que integrava a realidade humana como elevado fator de felicidade. No fundo, Deus ensina ao homem que o trabalho deve fazer parte da sua vida, como fator de concreção de realização pessoal. Ensina, enfim, que trabalhar integra de forma expressiva um quadro existencial mais amplo, tendente a produzir felicidade ao viver humano.
Já o capítulo 3 de Gênesis aponta para um outro cenário, inteiramente diverso. Ali, o homem, teologicamente, está afastado da perfeição, “caiu”, incidindo-lhe o duro encargo de viver do trabalho, da labuta, do seu esforço, enfim, do “suor de seu próprio rosto”...[9] Já não haveria o prazer de antigamente, quando da ambiência espiritualmente perfeita de Gênesis 2, de modo que soa mesmo imperioso que, ao cuidar desse assunto, sempre tenhamos a cautela de traçar essa distinção entre o trabalho como prazer, encontrado em Gênesis 2, e o trabalho como sacrifício, encontrado em Gênesis 3, distinção essa quase sempre olvidada. Em síntese bem apertada, é isso.
Viés patrimonial
Mas existe um segundo equívoco que eu gostaria de ressaltar, que é este: tratar o Direito do Trabalho debaixo de uma lente estritamente patrimonial.
Quando nós recebemos os primeiros contatos com o mundo do Direito do Trabalho, ainda nas fileiras da Universidade, essa ótica estreita já nos é imposta, mesmo que de forma inconsciente. Perceba-se ser muito comum a compreensão de que estudar Direito do Trabalho se resume a estudar o pagamento de aviso prévio, férias, 13º salário, horas extras, adicional de insalubridade e por aí vai. Ou seja, tudo o que assimilamos acerca dessa bela disciplina “Direito do Trabalho” gira em torno do que entra no bolso do trabalhador.
Trata-se de algo até certo ponto já mesmo profundamente inculcado no próprio consciente coletivo. Pior: não apenas da sociedade em geral, dos trabalhadores, dos empregadores, mas, infelizmente, também, das próprias pessoas que tecnicamente deveriam ser preparadas para refutar esse odioso matiz patrimonialista então imperante na lida com o Direito do Trabalho. E isso, decididamente, não está correto. O Direito do Trabalho não é só isso. É muito mais.
E, para reverter essa situação, basta que nos voltemos para um documento jurídico. Para quem se recusa a sair do círculo jurídico, opondo-se, por algum motivo, a refletir sobre aspectos outros, que não o do Direito, trago à discussão, então, o texto da própria Constituição Federal de 1988, que, já em sua abertura, no artigo 1º, inciso III, deixa claro que a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República Federativa do Brasil.
Isso quer dizer que o valor fundante do ordenamento jurídico brasileiro gira em torno do respeito e da promoção da dignidade humana. Impõe-se uma primazia, portanto, no tocante às relações jurídicas, da ótica existencial. Logo, à vista da força normativa dos vetores principiológicos constitucionais, aquele que lida com o Direito deve reler e reestudar todos os institutos e todas as categorias do Direito, não importando de que ramo seja, à luz de uma pauta que sempre se incline a privilegiar a pessoa humana[10].
Mais à frente, quando lemos o artigo 7º da Constituição, vemos um rol de direitos conferidos ao trabalhador. É verdade que ali se enxerga a garantia de pagamento de aviso prévio, horas extras etc. Mas é bom recordar que ali também há claro comando no sentido de que o trabalhador tem o direito de que seu empregador reduza os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança[11].
Com isso, fica notório que a própria Constituição Federal, dentro desse fluxo de intensa busca da promoção da pessoa humana, confere ao trabalhador o direito – é uma obrigação do empregador! - de ter um ambiente de trabalho hígido, sadio e seguro. E, vale o registro, quando trata de higidez no ambiente de trabalho, a Constituição Federal de 1988 não está se restringindo a aspectos meramente físicos. Não está falando de aspectos meramente ergonômicos. Está falando, também, e acima de tudo, na higidez e na saúde mental do trabalhador.
Deveras, de que vale o trabalhador sentar em uma poltrona confortável ou mesmo usar capacete, se, nesse mesmo ambiente, ele estiver sendo vítima de assédio moral? De que adianta o trabalhador estar inserido em um ambiente fisicamente seguro se, em paralelo, estiver sendo humilhado, desconsiderado, desprezado? Não seria isso uma degradação do meio ambiente de trabalho? Não seria isso um considerável fator de risco à saúde mental do trabalhador?
Como vemos, nossa Constituição Federal foi bem além do aspecto meramente patrimonial. Não cuida apenas de dinheiro. Ela não resguarda apenas a esfera do ter, mas também a esfera do ser. Na verdade, ela se preocupa, sobretudo, com a defesa da pessoa humana, em suas múltiplas dimensões: física, mental, social e espiritual. E isso se dá justamente porque, como já consignado, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República Federativa do Brasil.
Então, ficam esclarecidos esses dois aspectos, esses dois alicerces do meu raciocínio. Primeiro, trabalho deveria significar prazer. Foi assim no início de tudo. Infelizmente, por incontáveis motivos, nós estragamos isso e, hoje, o trabalho acaba sendo sinônimo de angústia, sacrifício, dor e, para alguns, custa até a própria vida. Segundo, precisamos enxergar o trabalho como elemento que dignifica, como instrumento de afirmação pessoal e social do ser humano, deixando-se de lado, de uma vez por todas, esse triste viés exclusivamente patrimonial tão presente na discussão do tema.
Ou seja: urge que se veja o trabalhador não mais como alguém que está friamente inserido em um complexo empresarial, integrando o esquema produtivo e gerador de lucro. É preciso focá-lo, isto assim, como um genuíno ser humano, como alguém que demanda respeito, consideração e proteção, ampla proteção, em suas múltiplas dimensões existenciais. Deve ser respeitado, portanto, da mesma forma que ele deve ser respeitado quando está no ônibus, na rua, no parque ou no shopping com sua família. Afinal de contas, ambiente de trabalho também é lugar de respeito.
Assédio moral laboral
Quanto à figura do assédio moral praticado no ambiente de trabalho, penso que seja importante destacar, de início, o delicado momento que hoje vivenciamos. Nesse particular, nós estamos vivendo uma situação verdadeiramente alarmante. É possível afirmar que já é inteiramente rotineira, nas salas de audiência, a análise de processos envolvendo alguma denúncia de assédio, ainda que velado. De minha parte, em média, pelo menos um processo por semana traz alguma discussão expressa sobre assédio praticado no ambiente de trabalho.
Isso sem contar os casos em que se pede indenização por dano moral por fatos isolados. Por exemplo, se um chefe de setor, em uma reunião, perde o controle e humilha um empregado diante dos demais colegas de trabalho, chamando-o de “incompetente” e “imprestável”, impõe-se a reparação pelo abalo moral, muito embora não se cuide de hipótese de assédio, cujo contorno, de regra, bem se sabe, exige uma prática habitual e dissimulada[12]. Todavia, em ambos as hipóteses algo parece patente: o baixo nível de respeito humano nos locais de trabalho.
Cumpre rememorar, para quem ainda não se deu conta, que o ordenamento jurídico brasileiro, expressamente, exige que tanto a propriedade quanto o contrato, para serem reputados como legítimos, necessariamente devem atingir uma função social[13]. Noutras palavras: o empregador, seja na dimensão jurídico-patrimonial de seus bens, seja na dimensão jurídico-contratual de seus trabalhadores, de fato, precisa se realizar, como pessoa jurídica, no cotidiano, dentro das asas da “livre iniciativa”, todavia vinculado ao desiderato maior de, em última instância, sempre prestar homenagem à dignidade humana e aos demais princípios substanciais incrustados no bojo constitucional. No fundo mesmo, a verdade é que a iniciativa empresarial nada tem de “livre”, à vista da sua necessária adstrição à função social que a Constituição se lhe impõe.
Não sem razão, nossa Constituição Federal, ao elencar os fundamentos da República Federativa do Brasil, também aponta como tal “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (Constituição Federal/1988, artigo 1º, IV). Perceba-se, por oportuno, que, pela clara dicção do texto constitucional, nem o “trabalho” e nem a “livre iniciativa”, em si mesmos considerados, constituem fundamento da República Federativa do Brasil, mas, isto sim, a expressão social advinda desses fenômenos, a sua incontornável conformação axiológica aos ditames constitucionais, ou seja, se e somente se densificados na realidade prática enquanto elementos que se harmonizam para a construção de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária (Constituição Federal/1988, artigo 3º, I), com a promoção do bem de todos (Constituição Federal/1988, artigo 3º, IV). Ambos não são vistos, dessa forma, como conceitos “puros”, “isolados”, só ganhando mesmo o valioso status de fundamento da República Federativa do Brasil na exata medida em que funcionalizados a um compromisso maior, de ordem ético-social.
Dessarte, quando uma empresa permite, tácita ou expressamente, que um sórdido ambiente de assédio se instale em suas dependências, a estruturação jurídica daí advinda deixa de cumprir sua finalidade social, desborda daquelas preciosas balizas ético-sociais que lhe foram constitucionalmente impostas, seja por ofensa direta à dignidade de um ou de alguns trabalhadores específicos – vítimas do assédio –, seja por ofensa indireta à própria sociedade – que, ali, naquele “microcosmos” fático-social, vê frustrado o intento constitucional de garantir o bem de todos –.
Feitas essas considerações de ordem mais geral, há de se pontuar, finalmente, quanto ao tema em si, que o assédio moral é figura reconhecidamente multidimensional. Cuida-se de fenômeno altamente complexo e que se realiza de diferentes maneiras.
Existe o chamado assédio horizontal, praticado entre pessoas que estão no mesmo nível hierárquico. Embora possa parecer estranho, mas o fato é que até entre empregados é possível ocorrer assédio, sendo que se o empregador aceita esse ambiente hostil, é responsável pelos danos ocorridos à vítima, já que, como mencionei, sobre ele se impõe o dever constitucional de manter o ambiente de trabalho sempre sadio, inclusive no sentido emocional da coisa.
Há o assédio dito por vertical, que ocorre entre pessoas envolvidas com algum grau de subordinação. Esse tipo de assédio pode ser vertical descendente, o mais conhecido e comum, que é o assédio praticado do chefe para com um ou alguns de seus subordinados, o que é típico da esfera das empresas privadas. E pode ser também vertical ascendente, que é o assédio dos subordinados para com seu chefe, figura que é mais encontrada no âmbito do serviço público.
Existe também o assédio misto. Alguém fica no centro e o assédio vem tanto dos colegas quanto do chefe, paralelamente. Este é o mais doentio, mais perverso e mais grotesco que alguém pode sofrer. É a modalidade de assédio que mais dilacera o emocional da vítima. De semelhante efeito lesivo é o chamado assédio estratégico, identificado como “uma estratégia da empresa para reduzir o número de pessoal ou, buscando conter custos, substituir o quadro por pessoas mais jovens e, consequentemente, pagar salários mais baixos. A empresa organiza sua estratégia de modo tal a levar o empregado a demitir-se”[14].
E qual seria a causa de tanto assédio? A resposta, por óbvio, não é simples, como a realidade não o é. Mas uma boa pista é compreendermos que o mundo do trabalho se transforma. Já não é mais o mesmo de algumas décadas atrás. O capitalismo se transmuda de acordo com suas necessidades[15].
Até bem pouco tempo, imaginávamos que os assédios morais visualizados em determinados casos judiciais eram fruto da mente doentia do assediador. Críamos que o chefe de setor de uma empresa, apontado como o assediador, era alguém portador de alguma espécie de desequilíbrio mental ou emocional, sendo essa a causa do assédio. Logo, para resolver a situação, bastava à empresa remover aquela pessoa do posto de chefia ou mesmo do próprio posto de trabalho, como se nele residisse a fonte do problema.
Ou, por outro lado – o que é comum se ler nas contestações ofertadas em juízo –, aponta-se algum desequilíbrio emocional na própria vítima, como se fosse dela alguma propensão psicológica ao sentimento de perseguição ou mesmo à depressão. Regra geral, destaca-se que o assediado tem histórico de ausências injustificadas ou afastamentos rotineiros por problemas depressivos. Mas é preciso ter cautela, porquanto, muitas das vezes, tal espécie de alegação se presta apenas a confundir as coisas, inverter os polos, apontando como causa o que, na verdade, é mero efeito. Esquece que não raro o lar do trabalhador está destruído porque o ambiente de trabalho é destruidor.
Ou seja, tínhamos como certo que esse elemento subjetivo, comportamental, com relação a determinado indivíduo – seja o assediador, seja o assediado –, era mesmo importante como fator de identificação das causas fomentadoras do assédio.
Ledo engano. Isso, de fato, acontece em alguns casos. Também é certo que pode ocorrer da ruína profissional refletir uma prévia ruína da vida íntima e privada do trabalhador. Todavia, temos percebido cada vez mais que grande parte dos assédios morais não guarda ligação direta com desvios comportamentais de determinados indivíduos. O assédio, hoje, pode ser decorrente da própria organização do trabalho, em si mesma considerada. É o intrigante assédio organizacional[16].
Sempre vivemos épocas de busca de lucro, mas, atualmente, essa busca é irrefreada, parece não ter limites, é voraz. Busca-se o lucro exorbitante, custe o que custar. Determinadas empresas, mais do que nunca, estão se estruturando para que elas alcancem o máximo de lucro com o mínimo de custo, entendido aqui “custo” não apenas no sentido financeiro, mas também no sentido humano. Para muitos “empreendedores”, o lucro vale a pena, mesmo que ao preço da saúde ou mesmo da vida de outras pessoas, inclusive de seus trabalhadores. Dinheiro manchado de sangue... Não incluem, dentro da sua projeção empresarial, o respeito à saúde dos seus trabalhadores, física ou mental. Não faz parte dos planos de determinadas empresas o tema “saúde e segurança no trabalho”.
O que pretendo gizar é que nós estamos vivendo algo muito grave. O capitalismo está se configurando de uma forma tal que a própria gestão de pessoas, a própria estruturação organizacional, o próprio modus operandi empresarial surge como algo intrinsecamente violento. É nesse contexto que exsurge a chamada “gestão por estresse”, bem assim o fenômeno que alguns chamam de straining, termo do idioma inglês e cujo significado tem a ver com o verbo “esticar”.
É o caso daqueles grupos para o qual o empregador estimula o constante atingimento de metas. Na medida em que essas metas são alcançadas, novo patamar é colocado para o mês seguinte. Através de técnicas motivacionais e entrega de “prêmios”, todos vão “anuindo” com as metas e se desdobram ao máximo para o êxito empresarial, deixando que suas subjetividades sejam controladas. O problema é que isso não tem fim, na medida em que os alvos serão sempre maiores, chegando a um estágio em que os empregados são “esticados” tanto que já não mais suportam. O nível de estresse e cobrança alcançam picos perigosíssimos. Muitos vão para casa e não conseguem esquecer seus objetivos de metas, não se “desconectam” do trabalho, em franco prejuízo da vida pessoal e familiar[17]. Doenças surgem, notadamente a depressão. Algumas vezes até o suicídio.
A novidade, nesse processo, e que tem potencializado ainda mais os efeitos lesivos da gestão “por estresse”, é essa: a indisfarçável falta de solidariedade entre os colegas. A cobrança individualizada de metas acirrou a concorrência, a disputa interna entre os próprios colegas de trabalho. Por conseguinte, acabou a camaradagem, a amizade sincera, a confiança. Hoje impera o egoísmo sádico, o frio individualismo, o “cada um por si”. Sem elos de solidariedade, sem enlaces de apoio, o trabalhador se vê minado de forma mais rápida no seu emocional. No mais das vezes, mesmo em casa, o trabalhador já não tem laços sólidos, fortes. A situação se complica, então, se também no trabalho o ambiente é desencorajador.
Na Psicologia, Christophe Dejours tem alertado sobre a constante fragilização desses vínculos de apoio na ambiência laboral, enquanto fator de prejuízo à saúde mental dos trabalhadores[18]. Zygmunt Bauman, na Sociologia, em um contexto mais amplo, também tem enfatizado essa intensa porosidade relacional que tem marcado os tempos pós-modernos[19]. É triste reconhecer que estar no trabalho, para muitos cidadãos brasileiros, representa uma odiosa tortura emocional, que dói no peito e lhe estilhaça a alma[20].
Considerações Finais
Essa é a realidade[21]. Agora vem o questionamento: como combater isso? Como enfrentarmos algo que já não está vinculado a fatores circunstanciais, atinentes a desvios pontuais de personalidade de determinados indivíduos, mas, muito pelo contrário, incorpora-se ao próprio âmago da atividade empresarial, ao próprio “modo de ser” da gestão de pessoas? Algo, portanto, que é objetivamente lesivo, violento, ameaçador? Eis uma angústia que ouso compartilhar. O que fazer quando o próprio paradigma reinante, a própria cosmovisão imperante demanda práticas que desprezam a saúde física e mental do trabalhador? Fechar a empresa? Proibir a ideologia?... Seria isso razoável?!
E qual o papel do Ministério Público do Trabalho nisso? E o papel da Justiça do Trabalho? E o papel dos sindicados e dos próprios trabalhadores?
Precisamos refletir a respeito disso. É algo que se impõe – e dele precisamos falar. É um debate que não pode mais ser adiado.
Como ensina Jorge Luiz Souto Maior[22] – de modo sempre muito percuciente –, a preocupação com o relacionamento humano travado no ambiente laboral expressa uma autêntica mudança na própria concepção do Direito do Trabalho. De fato, nessa linha de ideias, o Direito do Trabalho se desprende daquela exclusiva feição patrimonial que tanto lhe deturpa a face e mergulha de vez na portentosa dimensão existencial, talhando-se à luz da silhueta constitucional. O objetivo está em alcançar aquele tão dificultoso e almejado ponto de equilíbrio entre capital e trabalho: desenvolvimento empresarial, sempre; ofensa à dignidade humana, jamais.
Cumpre-nos, de algum modo, resgatar o prazer no e pelo trabalho. Ambiente laboral não deve ser espaço de destruição da personalidade; deve ser lugar de afirmação da dignidade. Escancaremos nossas mentes para reconhecer que trabalhamos não apenas para construir um patrimônio. Nós trabalhamos, também e sobretudo, para construir a nossa própria identidade.
Porque trabalho não envolve apenas “dinheiro no bolso”. Trabalho também envolve “paz no coração”.
[2] Apud OST, François. O tempo do direito. Tradução: Maria Fernanda Oliveira. Lisboa : Instituto Piaget, 2001, p. 392.
[3] SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução: Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo : Companhia das Letras, 2011, p. 31.
[4] Este texto expressa, em grande parte, o conteúdo de intervenção feita pelo autor em painel intitulado “Assédio Moral e Saúde Mental do Trabalhador”, como discussão integrante do evento “Transformações no Mundo do Trabalho na Região Norte e a Saúde Mental dos Trabalhadores”, ocorrido junto à Universidade Federal do Pará, campus de Belém (Pará-Amazônia-Brasil), nos dias 12 e 13 de setembro de 2011.
[5] “Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela fostes tomado; pois és pó, e ao pó tornarás” (Bíblia Sagrada, Gênesis, capítulo 3, versículo 19).
[6] “As Escrituras ensinam que Deus criou o Universo e nos fez à sua imagem (...). Mesmo assim, Deus nos amou de tal maneira que nos deu a dignidade única de sermos agentes morais livres – criaturas com habilidade de fazer escolhas, optar entre o bem ou o mal. Com o propósito de criar as condições nas quais pudessem exercitar essa liberdade, Deus estabeleceu um limite moral aos nossos primeiros ancestrais: Ele os proibiu de comer do fruto da árvore da sabedoria do bem e do mal. Os humanos originais, Adão e Eva, exerceram sua liberdade de escolha e optaram por fazer o que Deus mandara que não fizessem. Assim, rejeitaram o modo de vida proposto por Deus, bem como a sua vontade, abrindo o mundo para a morte e o mal. O termo teológico para esta catástrofe é Queda” (COLSON, Charles; PEARCEY, Nancy. E agora, como viveremos? Tradução: Benjamim de Souza. 3ª Edição. Rio de Janeiro : CPAD, 2005, p. 185-186). Nessa esteira de raciocínio, afirma C. S. Lewis que “o homem decaído não é simplesmente uma criatura imperfeita que precisa ser melhorada; é um rebelde que precisa depor as armas” (LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Tradução: Álvaro Oppermann; Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 76).
[7] “O Senhor Deus tomou o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar” (Bíblia Sagrada, Gênesis, capítulo 2, versículo 15).
[8] “Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, trouxe-os ao homem, para ver como lhes chamaria; e tudo o que o homem chamou a todo ser vivente, isso foi o seu nome. Assim o homem deu nome a todos os animais domésticos, às aves do céu e a todos os animais do campo...” (Bíblia Sagrada, Gênesis, capítulo 2, versículos 19 e 20).
[9] “Para ser um homem autêntico, realizado, em plena posse de sua humanidade, deve o ser humano trabalhar (...). De princípio, o trabalho era alegre, desprovido de toda fadiga que o marca hoje. (...) A corrupção da humanidade, porém, privou-a da graça que acompanhava o trabalho. (...) de espontâneo e agradável que era, tornou-se o trabalho para o homem uma obrigação, a que se deve submeter por obediência. (...) pondera Calvino que a maldição não abole completamente a bênção que se associava primitivamente ao trabalho; perduram nele ´sinais´ que dão ao homem o gosto do labor” (BIÈLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino. Tradução: Waldyr Carvalho Luz. São Paulo : Casa Editora Presbiteriana S/C, 1990, p. 523-524).
[10] Noutra oportunidade, ao refletir sobre o fenômeno da constitucionalização do Direito e a necessidade de impor força normativaaos princípios da Constituição Federal brasileira de 1988, assentei: “Nesses mais de 20 anos de Constituição, muita coisa ainda há por fazer. E a principal delas talvez seja justamente a conscientização de todos da sociedade – principalmente daqueles que diuturnamente lidam com o Direito – acerca do próprio papel da Constituição de 1988. Muitos falam da Constituição, ensinam sobre a Constituição, lidam com a Constituição. Poucos, porém, conhecem a alma da Constituição, a sua essência, a sua vocação, o seu propósito de vida. Vai aqui um pouco da porosidade pós-moderna: nosso vínculo com a Constituição tem sido muitas vezes tíbio, indolente, superficial, líquido. A Constituição está em nossas mesas, mas não ocupou ainda a nossa pauta de prioridades. Seus inúmeros artigos, gravados em nossa mente; seus elevados propósitos, todavia, continuam longe do nosso coração. (...) Esse é o ousado projeto neoconstitucionalista. Um constitucionalismo compromissório, dirigente. A Constituição ocupa o centro do ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais vicejam como o coração da Constituição. A dignidade da pessoa humana é o precioso líquido carmesim que circula por todas as células do corpo jurídico. Essa novel disposição alinha o sistema, dispondo-o em um lindo arranjo constitucional dotado de perfeita sincronia humanista e vocacionado a homenagear, em alta dosagem, o ser ao invés do ter, as pessoas ao invés das coisas, o existencial ao invés do patrimonial. Razão e sentimento se unem para conduzir, tudo e todos, ao mais glorioso de nossos anseios constitucionais: a paulatina construção de uma sociedade efetivamente livre, realmente justa e verdadeiramente solidária” (MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil objetiva pelo risco da atividade: uma perspectiva civil-constitucional. São Paulo : GEN/Método, 2010, p. 141-143). Vale o registro de que “construir uma sociedade livre, justa e solidária” constitui um dos expressos objetivos da República Federativa do Brasil (Constituição Federal/1988, artigo 3º, inciso I). Ainda segundo o texto constitucional, também são objetivos da República Federativa do Brasil: i) garantir o desenvolvimento nacional; ii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; iii) promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Constituição Federal/1988, artigo 3º, incisos II, III e IV).
[11] Constituição Federal/1988, artigo 7º, XXII: “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
[12] “A doutrina pátria define o assédio como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tem por efeito excluir o empregado de sua função ou deteriorar o ambiente de trabalho” (NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 02).
[13] Constituição Federal/1988, artigo 5º, XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”; Código Civil/2002, artigo 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
[15] “O exame mais superficial dos fenômenos ocorridos no mundo no último quarto de século logo mostrará a extraordinária vitalidade do capitalismo nesse período. Ele se expandiu a agora ocupa todo o globo. (...) Em todos os aspectos do ´mundo da vida´, o capitalismo descobriu o material necessário para transformar tudo em novas mercadorias e em consumismo. (...) Desse modo, não é difícil compreender porque numerosos teóricos acham que a força propulsora da mudança contemporânea continua a ser o capitalismo, qualquer que seja a forma que tenha assumido. (...) A lógica interna das mudanças continua a ser a acumulação do capital e a ampliação cada vez maior do mercado” (KUMAR, Krishan, Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2006, p. 228-229).
[16] “A identificação do assédio moral organizacional, em que o assédio individual nada mais é que uma expressão parcial, rompe o tratamento psicológico do problema e devolve a discussão sobre as condições de trabalho e os mecanismos de gestão de mão-de-obra aos espaços coletivos. A sua visualização explica a inércia dos setores internos da empresa diante das denúncias individuais e a desconfiança dos trabalhadores em relação a esses órgãos” (ARAUJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do TST. Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun/2007, p. 214).
[17] “Em suma, o tema aqui sugerido pretende pôr em discussão – para buscar uma resposta jurídica que lhe seja adequada – o grande paradoxo do mundo do trabalho moderno, que nos desafia, diariamente, e que assim se enuncia: enquanto uma grande parcela da população não tem acesso ao trabalho e isto põe em risco a sua sobrevivência, uma outra parcela, não menos considerável, está se matando de tanto trabalhar ou alienando-se no trabalho!” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do trabalho.
[18] “Que um suicídio possa ocorrer no local de trabalho indica que todas essas condutas de ajuda mútua e solidariedade (...) foram banidas dos costumes e da rotina da vida de trabalho. Em seu lugar, instalou-se a nova fórmula do cada-um-por-si; e a solidão de todos tornou-se regra. Agora, um colega afoga-se e não se lhe estende mais a mão. Em outros termos, um único suicídio no local de trabalho – ou manifestamente em relação ao trabalho – revela a desestruturação profunda da ajuda mútua e da solidariedade. Ou seja: a intensa degradação do viver-junto em coletividade” (DEJOURS, Christophe; BÈGUE, Florence. Suicídio e trabalho: o que fazer? Tradução: Franck Soudant. Brasília : Paralelo 15, 2010, p. 21).
[19] “... a retração ou redução gradual, embora consistente, da segurança comunal, endossada pelo Estado, contra o fracasso e o infortúnio individuais retira da ação coletiva grande parte da atração que esta exercia no passado e solapa os alicerces da solidariedade social. [...] Os laços inter-humanos [...] se tornam cada vez mais frágeis e reconhecidamente temporários. A exposição dos indivíduos aos caprichos dos mercados de mão-de-obra e de mercadorias inspira e promove a divisão e não a unidade. [...] A ‘sociedade’ é cada vez mais vista e tratada como uma ‘rede’ em vez de uma ‘estrutura’ (para não falar em uma ‘totalidade sólida’): ela é percebida e encarada como uma matriz de conexões e desconexões aleatórias e de um volume essencialmente infinito de permutações possíveis. [...] Uma visão assim fragmentada estimula orientações ‘laterais’, mais do que ‘verticais’. [...] A virtude que se proclama servir melhor aos interesses do indivíduo não é a conformidade às regras (as quais, em todo caso, são poucas e contraditórias), mas a flexibilidade, a prontidão em mudar repentinamente de táticas e de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento” (BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2007, p. 08-10).
[20] A respeito do assunto, destaco o seguinte julgado: “Assédio Moral Organizacional. Troféus ´Lanterna´ e `Tartaruga`. O pseudo procedimento de incentivo de vendas adotado pela empresa, consistente em atribuir troféus lanterna e tartaruga aos vendedores e coordenadores de vendas com menores desempenhos na semana, trouxe-lhes desequilíbrio emocional incontestável, independentemente de quem efetivamente os recebiam, visto que na semana seguinte qualquer deles poderia ser o próximo agraciado com este abuso patronal, que ocorreu de forma generalizada e reiterada. Ficou evidente que o clima organizacional no ambiente de trabalho era de constante pressão, com abuso do poder diretivo na condução do processo de vendas. Não há outra conclusão a se chegar senão a de que todos que ali trabalhavam estavam expostos às agressões emocionais, com possibilidades de serem o próximo alvo de chacota. Nesse contexto, o tratamento humilhante direcionado ao autor e existente no seu ambiente de trabalho mostra-se suficiente para caracterizar o fenômeno do assédio moral organizacional, máxime quando presente prova de que a conduta desrespeitosa se perpetrou no tempo, de forma repetitiva e sistemática. Configurado o assédio moral e a culpa patronal, é devida a indenização pretendida pelo Reclamante” (TRT 23ª Região, 1ª Turma, RO 00795.2010.002.23.00-3, Relator: Desembargador Tarcísio Valente, publicado em 09.09.11).
[21] Infelizmente, no Brasil, ainda não existe legislação federal tratando da figura do assédio moral. Apenas em relação ao serviço público municipal e estadual alguns regramentos podem ser encontrados. Portanto, os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos federais ainda não recebem a incidência de lei específica versando sobre o tema. Entretanto, vale o importante registro de que a Constituição Federal de 1988, com sua principiologia altamente protetiva, é detentora, por si só, de carga jurídica mais que suficiente para salvaguardar a dignidade humana de todo e qualquer trabalhador, em toda e qualquer circunstância. Não à toa a Carta Magna dispõe em seu artigo 5º, § 2º, que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
[22] Apresentação da obra: GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo : LTr, 2003, p. 13.
Ney Stany Morais Maranhão Juiz Federal do Trabalho Substituto do TRT da 8ª Região (PA/AP). Graduado e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Università di Roma – La Sapienza (Itália). Professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Colaborador da Escola Judicial do TRT da 8ª Região (PA/AP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social “Cesarino Júnior” (IBDSCJ) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de outubro de 2011
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