O Brasil testemunha, desde o início de
2016, uma saga para empreender uma Reforma da Previdência que exclui, é
privatista e impactará fortemente em centenas de municípios brasileiros. Sob o pretexto
de que existe um "rombo na previdência", a cantinela realizada pelo
mercado financeiro ao lado do governo interino pode prejudicar os mais de 35
milhões que hoje são atendidos pelo sistema. Mas, será que existe rombo na
previdência?
Para o ministro Eliseu Padilha, sim. Durante
entrevista ao programa da Rede Globo, Fantástico, neste domingo (17), Padilha
elencou vários pontos das propostas da gestão interina para por fim no chamado
rombo da Previdência.
Idade mínima para aposentadoria proposta por Temer ataca duplamente as
mulheres
No entanto, essa não é a mesma opinião da
professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise
Gentil, que ao ser questionada sobre a veracidade do déficit da Previdência,
defendeu exatamente o oposto: "o déficit seria uma farsa provocada por uma
distorção do mercado financeiro, que fecharia os olhos para um artigo da
Constituição Federal que exige participação da União na composição da
Seguridade Social, da qual a Previdência Social faz parte".
Segundo ela, o chamado rombo da previdência é
uma mentira construída a partir dos mais variados artifícios financeiros. Em
primeiro lugar, a questão está mal posta: não se deve falar em déficit da
previdência, mas da seguridade social. Não existe sequer um orçamento da
previdência social que permita identificar o déficit propalado pelo governo.
A Constituição Federal instituiu o
"orçamento da seguridade social" (art. 165, § 5º, III), que engloba a
previdência, a assistência social e a saúde. Esses três segmentos são
financiados por recursos comuns, dentre os quais sobressaem as receitas
oriundas das contribuições de seguridade social (contribuições dos empregados e
empregadores, COFINS, CSL, etc.), cobradas para custear não apenas as
aposentadorias e pensões, mas também os programas de assistência social e de
saúde.
A pesquisadora da UFRJ explica que é essa a
metodologia utilizada pelos setores que desejam implodir a Previdência. Dados
divulgados pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil (ANFIP) apontam que a Seguridade Social, historicamente, tem saldo
financeiro superavitário e não deficitário como vem divulgando a mídia
tradicional e a gestão interina de Temer. De acordo com o estudo, os superávits
dos últimos três anos foram: ano de 2013 R$76,2 bilhões; ano de 2014 R$53,8
bilhões; ano de 2015 R$23,9 bilhões.
Gentil destaca que "os cálculos devem
levar em conta todos os gastos com benefícios, inclusive com pessoal, custeio
dos ministérios e com a dívida dos três setores: Saúde, Assistência Social e
Previdência”, explica. E completa: "O objetivo é cortar gastos para dar
uma satisfação ao mercado, que cobra um rigoroso ajuste fiscal".
Por trás do rombo
existe o pagamento dos juros da dívida
O discurso empolado durante entrevista ao
programa da Rede Globo, Fantástico, neste domingo (17), do ministro interino
Eliseu Padilha, esconde por trás de si o real motivo do desmatelamento da
Previdência: garantir o pagamento dos juros.
"Nada é dito sobre os gastos com juros,
que entre janeiro e dezembro de 2015 custaram R$ 450 bilhões, o equivalente a
8,3% do PIB brasileiro. Ocorre que o governo fez enormes desonerações desde
2011. Em 2015, chegaram a um valor estimado em R$ 282 bilhões, equivalente a 5%
do PIB, sendo que 51% dessas renúncias foram de recursos da Seguridade Social.
Essas desonerações não produziram o resultado previsto pelo governo, que os
setores beneficiados elevassem os investimentos no setor produtivo. Pelo
contrário, elas se transformaram em margem de lucro para os mesmos setores que
hoje defendem a Reforma da Previdência", explicou a pesquisadora.
Gentil destaca que é certo que a população
envelhecerá, mas o Brasil não precisa de uma reforma previdenciária, antes
disso, de uma nova política macroeconômica voltada para o pleno emprego e que
gere taxas elevadas de crescimento.
"É necessário políticas de aumento da
produtividade do trabalho com investimentos em educação, ciência, tecnologia e
estímulos à infraestrutura. Esses mecanismos proporcionarão a arrecadação para
o suporte aos idosos. Cada trabalhador será mais produtivo e produzirá o
suficiente para elevar a renda e redistribuí-la entre ativos e inativos. Não
podemos ficar presos a um determinismo demográfico", ressaltou ela.
3.996 municípios
beneficiados
Os números demonstram que os recursos da
Previdência movimentam a economia da maioria dos municípios brasileiros. Em
2012, por exemplo, o pagamento dos benefícios em 3.996 municípios brasileiros
ultrapassou os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse
número representa 71,8% do total de cidades.
Além disso, o pagamento dos benefícios estimula
a economia e é essencial para manter a segurança social de milhões de famílias
e redistribuir a renda no país em muitos municípios.
É preciso ficar claro que a Previdência
Social, bem como outros direitos sociais, é uma conquista assegurada pela
Constituição Federal de 1988. Muitos propagam a falsa visão de que os custos
previdenciários e das políticas sociais não cabem no orçamento público
federal.
"A Constituição não cabe no
orçamento", foi o que sinalizou o ministro interino de Temer, i ao afirmar
que é preciso "um remédio amargo para colocar o Brasil nos trilhos".
De fato, há uma contradição evidente entre
desejar a qualidade dos serviços públicos da Dinamarca e pagar impostos da
Guiné Equatorial. O que a equipe de Temer esqueceu de ressaltar é que os que
pagam mais impostos no Brasil são os que têm menos condições de paga-los. Se os
que ganham mais de 160 salários mínimos por mês têm 65,8% de seus rendimentos
isentos de tributação pela Receita Federal, fica um pouco mais difícil
determinar o que cabe e o que não cabe no orçamento.
De acordo com a Anfip, a Previdência Social
beneficia cerca de 90 milhões de pessoas direta e indiretamente. Somente, em
2015, a Previdência (urbana e rural) beneficiou diretamente quase 30 milhões de
famílias ou cerca de 90 milhões de pessoas (considerando uma família com três membros).
Sem a Previdência, mais de 70% dos idosos estariam na pobreza extrema.
FONTE: Portal CTB - Joanne
Mota, com informações das agências
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