Aldo Rebelo:
Em entrevista publicada na semana passada pelo Jornal Opção, da cidade de Goiânia, Goiás, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) atribui as conquistas democráticas do povo brasileiro a uma acumulação histórica de longa data, não apenas aos últimos oito anos.
Ele se mostra bastante reticente em relação à tão propalada reforma política. Diz que é contra acabar com coligação, afirma ser restritiva a proposta de impor cláusula de barreira. “Eu acho que essa reforma política não é para ampliar a democracia nem fortalecer os partidos.”
O parlamentar também fala de sua tão combatida proposta de restringir termos estrangeiros, explicando que na verdade o que ele propõe é melhorar o ensino do idioma português nas escolas públicas. Outro tema da entrevista é o Código Florestal, do qual ele é relator. Aldo explica que as críticas da direita e da esquerda que o relatório recebe se deve à falta de informação e à má-fé.
Jornal Opção: O sr. exerceu importantes funções no governo PT. Os petistas difundem a ideia de que todos os avanços sociais e econômicos são obra exclusiva do governo atual, como se a história brasileira tivesse começado no dia que Lula tomou posse. Ignoram mecanismos de gestões anteriores que possibilitaram os avanços atuais, como Lei de Responsabilidade Fiscal e ajuste do sistema financeiro, do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e tantos outros. Como o sr. analisa isso?
Aldo Rebelo: Essa ideia do PT é errada, não apenas porque atribui a governos e governantes um esforço que ultrapassa muito esses atores. A construção de um país é resultado sempre de esforço coletivo, de grupos, de classes, de forças sociais e políticas heterogêneas. O Brasil começou a ser construído muito antes do PT e de Lula chegarem à Presidência. Evidente que festejo, celebro e reconheço os êxitos do presidente Lula e do PT, mas o Brasil fez coisas muito mais importantes que isso. O País construiu a sua base física, seu imenso território, seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados ao longo de 16 mil km de fronteiras, 8 mil km de litoral. Temos um único país com o mesmo idioma, mesma cultura, mesmo sentimento de nacionalidade. Construímos nossa independência enfrentando jornadas duras como a Inconfidência com os mártires como Tiradentes. Fizemos uma guerra pela Independência, construímos uma jornada para lutar pela democracia e pela República, enfrentando a força do Império na Guerra dos Farrapos, na Cabanagem, na Revolução Praieira. Depois fizemos a abolição da escravidão, num esforço de 300 anos, que começou com o Quilombo de Palmares e foi concluída com a assinatura do ato pela princesa Isabel. Tivemos a jornada dos tenentes, a marcha da Coluna Prestes e Miguel Costa, que passou por Goiás e Tocantins, e percorreu 23 mil km, muito mais do que a grande marcha da revolução chinesa. Fizemos a industrialização do país, a revolução de 30, as legislações trabalhistas e da previdência social. Fizemos muita coisa, aliás, fizemos o mais difícil. O presidente Lula, a presidente Dilma e nós hoje, protagonistas, encontramos o país já construído. É claro que precisa de ajustes, para se tornar mais equilibrado socialmente, mais democrático, mais desenvolvido. Mas é preciso honrar e reconhecer, com sentimento de gratidão, o esforço dos nossos antepassados.
Jornal Opção: Fala-se que o PT tem um projeto de poder de 30 anos. Não há risco de uma "mexicanização" do Brasil, uma "ditadura democrática" de um só partido hegemônico cooptando as outras siglas, que teriam existência apenas formal, sem capacidade para disputar o poder e dar oportunidades de alternância?
AR: Não acredito. Os partidos que formam a coalização com o PT têm muita independência política e de ideias em relação ao PT, inclusive as pequenas siglas, como o PCdoB, PSB, do PDT - aliás, o PDT fazia oposição até pouco tempo, fez oposição no primeiro governo do (ex-) presidente Lula. O PSB, do governador Eduardo Campos (PE), integra inclusive o governo do PSDB em outros Estados. Disputou com o PT em outros Estados. Participou do governo do (Beto) Richa (PR), do Aécio (Neves, MG), que são governos do PSDB. E o PCdoB tem independência. Eu já enfrentei aqui candidato do PT disputando a presidência da Câmara. Nós somos aliados, não somos a mesma coisa.
Jornal Opção: No final do ano passado o sr. fez críticas ao rodízio entre o PT e o PMDB e, falando da base governista, de existirem dois candidatos. O que o sr. pensa hoje do deputado Marcos Maia (PT-RS) na presidência?
AR: Eu gosto do deputado Marco Maia, acho que ele pode ser um bom presidente. Mas continuo achando que a forma e o método da escolha do presidente da Câmara são autocráticos, viciados, e têm que ser revogados. Você não pode estabelecer que a Câmara vai ser presidida em rodízio por partidos. Não somos pizzaria para servir a dois fregueses: o PMDB e o PT. Lamentavelmente, os primeiros a aderirem à candidatura do Marco Maia foram os dois líderes da oposição, do DEM e do PSDB. E eu, que imaginava que poderia ser candidato, disse: se a candidatura do PT serve ao PSDB e ao DEM, não sou eu que sou da base do governo que vou criar o problema. Por fim sobreviveu a candidatura do deputado Sandro Mabel (PR) e o deputado Marco Maia foi eleito sem maiores problemas. É bom que se registre, com o apoio desde o início, antes do PCdoB e do PSB que trabalhavam por uma candidatura alternativa, pudessem construir essa candidatura, foi apoiado pelo DEM e PSDB.
Jornal Opção: Como o sr. analisa a atitude do deputado Mabel que sustentou a candidatura, foi até o fim e teve mais de 100 votos?
AR: Ter mais de 100 votos para a presidência da Câmara, sem contar com o apoio do governo, de nenhum líder (de bancada), nem do próprio partido dele, que o ameaçou de expulsão, acho que foi um feito, um êxito. Uma demonstração de coragem, de independência, ao enfrentar o próprio partido e também demonstração de prestígio. Mais de 100 deputados desobedeceram aos seus líderes e às pressões do governo para votar no deputado Sandro Mabel, que construiu a sua candidatura em meio a grandes dificuldades.
Jornal Opção: O PCdoB foi surpreendido pela possibilidade de a presidente Dilma Rousseff colocar Henrique Meirelles para dirigir a Autoridade Pública Olímpica (APO), vinculada ao ministério do Esporte, do comunista Orlando Silva?
AR: Não sei se a presidente Dilma já escolheu Henrique Meirelles. Se escolher nós respeitaremos as decisões dela. E temos um apreço pelo ex-presidente do Banco Central. Henrique Meirelles é um homem capaz, competente.
Jornal Opção: E a reforma política, que sempre esteve em voga e até o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem falado que vai se empenhar em aprová-la agora. O sr. tem a visão de um partido pequeno e a reforma toca nisso também, o que é imprescindível na reforma?
AR: Perguntar ao político sobre o que ele acha da reforma política é como perguntar a um torcedor o que ele acha de um time de futebol. Se ele for palmeirense vai pensar alguma coisa do Corinthians; se for Vila Nova, vai pensar alguma coisa do Goiás.
Jornal Opção: Mas o sr. é um formulador, uma das melhores cabeças do Congresso, e sua opinião nesse assunto certamente é reveladora.
AR: Há várias reformas políticas propostas. Uma reforma amplia a democracia, fortalece os partidos. Outra enfraquece os partidos, reduz a democracia e nós precisamos conhecer qual o rumo que essa reforma política vai tomar. Uns acham que a reforma política, por exemplo, é acabar com a votação proporcional. Eu acho que é restritivo acabar com a coligação. Outros acham que a reforma é impor cláusula de barreira. Eu também acho que é restritivo. Se for impor cláusula de barreira aos partidos em uma sociedade democrática, você vai impor a religião também? Uma religião para se constituir precisa ter pelo menos 8% da população de fiéis? Eu acho que essa reforma política não é para ampliar a democracia nem fortalecer os partidos.
O Brasil é uma democracia ainda recente, uma construção. Pela primeira vez na história, nós temos mais de dez anos de livre funcionamento partidário. Nós nunca tivemos isso. Então é preciso fazer a reforma política para fortalecer os partidos, mas não de forma artificial, achando que o problema do Brasil é ter partido demais, que a democracia seria boa se tivessem só dois partidos. Acho que essa é uma opção do eleitor, não deve ser imposta pela legislação.
Jornal Opção: O que carece de aperfeiçoamento?
AR: Há pontos que precisam ser aperfeiçoados, por exemplo, o financiamento público de campanha seria uma coisa importante, equilibraria a disputa, a competição.
Jornal Opção: O que o sr. acha da lista fechada?
AR: Lembro uma longa conversa que eu tive com o falecido governador Miguel Arraes (PE), que era líder do PSB. Todos os partidos antigos concluíram que a lista fechada era importante, pois era uma condição para a adoção do financiamento público. Como vai financiar publicamente candidatos? Você pode financiar partidos, que aí apresentam a lista. Tentei convencer o doutor Arraes que isso ia impedir o abuso do poder econômico, de gente que se filia à véspera de eleição nos partidos e vai atrás de dinheiro, de vereadores, prefeitos, deputados. Doutor Arraes me ouviu pacientemente, fumando um cachimbo. Depois da minha longa exposição ele pergunta: e o sr. saberia me dizer quanto vai custar o lugar em uma lista dessas? Ou seja, ele tentou me demonstrar que a lista não garante de fato o papel e ação do dinheiro no processo. E confesso que não soube responder, ele colocou uma dúvida na minha cabeça.
Jornal Opção: E a questão do voto distrital?
AR: O voto distrital já foi adotado no império e foi revogado. O líder do império pronunciou uma frase que diz que o voto distrital é para eleger a celebridade de aldeia. É para eleger aquela liderança local, um médico, o delegado, o bispo. Desconhece a necessidade da representação das ideias, de pessoas que têm ideias não só para o Estado, mas até para o País. Essas pessoas não têm como encontrar sua eleição no voto distrital. Seria mais o voto do vereador, que tem a representação local. Como é que a representação das ideias ficam numa eleição do voto distrital? É também excludente, quase uma eleição majoritária. Você corre o risco de excluir a representatividade das minorias. Porque no caso do distrital puro, se o distrito elege um deputado, significa que se três candidatos tiverem 30% dos votos cada, você deixou uma parcela grande do eleitor, que não é majoritário. Se aplica o voto distrital e o partido não conseguir ser o primeiro colocado em nenhum distrito, ele pode ter 30% dos votos e não terá nenhum representante no Parlamento. Essa distorção acontece em alguns países que já estão rediscutindo essa questão.
Jornal Opção: Como observador da cena política, o que o sr. considera como maior problema do Brasil hoje? Qual é o grande desafio do governo Dilma?
AR: O desenvolvimento do País. O Brasil ainda cresce com taxas incompatíveis à sua potencialidade. O Brasil tem condições de crescer pelo menos próximo de países como Vietnã, China. E o desafio do desenvolvimento é uma retranca. Você precisa olhar a questão a infraestrutura, da logística, das ferrovias, hidrovias. Nosso potencial hidroviário está subestimado há alguns anos. Nós temos mil quilômetros de rodovias em estado precário, portos na mesma situação. Outra questão é da educação. Nós ampliamos a oferta, mas reduzimos a qualidade. Nossas crianças não conseguem aprender a ler e escrever ou fazer conta como aprendiam há 50 anos. É preciso melhorar a educação. Senão não teremos técnicos, engenheiros, médicos, jornalistas, professores com qualidade se não oferecermos o ensino básico bom. Minha professora me ensinava lá no interior de Alagoas: meu filho, pelo menos faça o primário bem feito, que é aprender a ler, escrever e saber fazer as quatro contas (soma, subtração, multiplicação e divisão). Eu ficaria pelo menos nesses dois desafios: infraestrutura e educação. E pode entrar também em ciência e tecnologia.
Jornal Opção: Vinte e cinco por cento do orçamento dos Estados e dos municípios e 18% do orçamento da União tem que ser investidos na educação. Na opinião do sr., é preciso aumentar a quantidade de recursos ou realizar um planejamento de investimentos?
AR: Creio que esses são dois problemas. Ampliar recursos é sempre necessário, pois educação é uma atividade extensiva em recursos. É pagamento de mão de obra, de professores, construir escola, equipamentos, entre outras coisas. E ao mesmo tempo controlar a qualidade da educação. Mas acho que existe um problema mais grave que não é discutido. A educação deixou de ser uma questão nacional e passou a ser social. Um direito como outro qualquer. Foi aí que o problema apareceu. Educação está acima de tudo. Por mais que seja importante a saúde, você não pode comparar a necessidade de um indivíduo de passar por uma cirurgia pela sua formação. Saúde você resolve como um problema momentâneo. A educação compromete o futuro da criança e mais grave, o futuro do País. E quando se leva a educação pelo lado social, uma questão corporativa, discutir o salário do professor ou a jornada de trabalho, isso é importante. Mas é preciso restituir a autoridade do professor. Isso é tão importante quanto lhe dar um bom salário. Não existe educação sem disciplina e hierarquia. Antigamente, quando a criança tirava uma nota vermelha, a mãe perguntava para o menino: o que é isso? Hoje em dia a mãe quer perguntar para a professora o que está acontecendo.
Outro fator é a hierarquia. O menino, o pai, a mãe, o vizinho, o prefeito, o governador e o presidente têm de ter consciência da autoridade daquele que tem a responsabilidade de transmitir conhecimento. Essa autoridade tem de ser restituída ao professor. Hoje, o tema da educação ocupa escasso espaço nos discursos dos governantes, de nossos prefeitos, deputados, governadores e presidentes. Quantas vezes eles vão à escola? No meu tempo, o prefeito ia à sala de aula para fazer palestra e a mãe considerava a professora quase como uma autoridade sagrada. Atualmente, o professor é considerado um funcionário público qualquer. As mães tratam esses discentes como se eles fossem seus empregados. Professor não é empregado de aluno. Se o estudante tiver dinheiro, empregado ele tem em casa. Mas na escola ele não tem empregado. Professor não é empregado nem de mãe, nem de aluno. Professor é professor. É um servidor público especial, encarregado de formar uma pessoa para toda a vida. Se a sociedade não compreende assim, o problema fica difícil de ser resolvido.
Jornal Opção: O sr. diz que a educação tem de ser uma questão nacional. O senador Cristovam Buarque defende que o ensino de base deva ser federalizado e ele defendeu essa proposta quando se candidatou à Presidência da República, em 2006. O sr. é favorável à federalização, ou seja, à responsabilização da União por todas as etapas da educação?
AR: Desde que isso venha acompanhado dessa outra visão da educação que mencionei há pouco. Essa mentalidade de que o professor é empregado de aluno precisa mudar. Agora, transformar o professor em um servidor público federal é como se fosse elevar a educação ao status da Defesa Nacional. Ou seja, um exército tem um servidor da nação e penso que o professor também deva ser valorizado como um servidor da nação.
Jornal Opção: Por falar em educação, o sr. foi presidente da União Nacional dos Estudantes-UNE (1980-81), que tem um histórico de luta contra corrupção. Há pouco tempo, a entidade se manifestou em favor de José Sarney (PMDB), então flagrado em uma série de irregularidades no Senado, loteamento de cargos para parentes e amigos. Sabe-se que a UNE está domesticada , financiada com dinheiro público e a serviço do governo. O que o sr. diz disso?
AR: Não creio que a UNE esteja comprada. A UNE, naturalmente, não deve ser oposição ao atual governo porque fez algum esforço pela educação, criou projetos para a expansão da rede pública, do ensino superior, das escolas técnicas. A UNE não faz oposição ao governo Lula. A UNE tem uma dívida com o presidente Sarney porque foi no governo dele que ela foi legalizada. Mas não vi esse ato, portanto não posso comentar.
Jornal Opção: Saiu na mídia...
AR: Eu não vi, não sei se foi a UNE, se foi um grupo de estudantes. Não posso comentar porque não vi.
Jornal Opção: O sr. fala sempre em integração nacional e trabalha com a legislação indigenista. Essa legislação atrapalha a integração nacional por causa da demarcação de terras?
AR: Não, a legislação que protege a terra dos índios é humanitária. É o reconhecimento da dívida social maior que temos com nossos irmãos indígenas, a parcela mais fragilizada no processo de construção da realidade brasileira, feita por brancos, negros e índios e os índios pagaram o preço maior por isso. O problema reside é na aplicação da legislação, que penaliza o País e as próprias populações indígenas, que são tratadas dentro das reservas sem nenhum direito. Não podem nem portar uma espingarda para se defender, não podem sequer formar uma cooperativa para receber turistas em suas reservas, não são pessoas jurídicas. A legislação não determina isso, mas sua aplicação separa brasileiros que vivem há séculos e há décadas dentro da mesma terra. Foi o caso recente da reserva Raposa Terra do Sol, onde pessoas de 87 anos que nasceram dentro da reserva fossem expulsas. Mestiços filhos de índios com caboclas, ou de índias com caboclos, foram excluídos por que não são índios puros. Acho que demarcação de terras indígenas não significa exclusão de outros brasileiros que nasceram e viveram dentro dessas terras. Isso fere o princípio de comunhão nacional que reúne índios e não-índios ao longo de nossa história, que foi o que defendeu Marechal Rondon, por exemplo.
Jornal Opção: Na questão do nacionalismo, percebe-se que uma parte da mídia diminui o trabalho que o sr. faz, tentando talvez colocá-lo como um deputado folclórico, principalmente na questão do projeto que restringe o uso de termos do idioma inglês. Como o sr. vê isso?
AR: Eu preferiria que combatessem minhas ideias com argumentos. Talvez na falta de argumentos tentem fazer uma caricatura do que defendo. Eu tenho muito amor e apreço pelo meu País. Em certa medida, o país é como a mãe, você não escolhe, você dedica o seu amor à sua mãe e à sua pátria. Eu tenho zelo pela minha cultura, pelo meu idioma, pelo meu território. E acho que tenho obrigações para com o País, algumas legais e outras morais. Calor que o País também tem adversários. Muita gente, apesar de nascida aqui, não gosta do Brasil, gostaria de ter nascido na Europa, ter sido francês, ou inglês ou americano. Eu respeito quem pensa assim, ninguém é obrigado a ser patriota, mas ninguém pode também me desobrigar de sê-lo.
Jornal Opção: Mas o sr. defende mesmo a abolição total dos termos ingleses no uso diário do nosso idioma?
AR: O meu projeto de valorização da língua é para melhorar o ensino e a aprendizagem do nosso idioma. Não é proibir o ensino de outro idioma, pelo contrário. Acho que devíamos melhorar o ensino da língua portuguesa e da língua inglesa também, porque hoje só meninos e meninas de classe média que podem pagar escola particular têm acesso a uma segunda língua. A escola pública, lamentavelmente , não ensina. Acho que toda criança brasileira deveria dominar bem o seu próprio idioma e dominar bem um segundo e até um terceiro idioma. Mas não podemos achar que a nossa língua é pior que as outras. E o processo de desvalorização do nosso idioma leva a episódio de um pai batizar sua filha de “Madinusa”, porque viu num determinado produto a inscrição Made in Usa e achou que era algo tão bom que caberia dar nome à filha. Não devemos alimentar o preconceito contra nossa língua e também não alimentar preconceito contra língua estrangeira. Melhorar o ensino e a aprendizagem é fazer com que nossa criança possa ler e escrever de forma razoável na sua própria língua e usar esse conhecimento para usar um segundo idioma.
Jornal Opção: Mas há mesmo abusos. Quando se anda num shopping center, em qualquer cidade do Brasil, parece que se está em Miami, tal a profusão de "sale", "off", lojas com nomes estrambóticos que talvez nem os donos saibam o que significam...
AR: É um absurdo. O ex-senador Paulo Octávio (empresário que constrói, entre outros empreendimentos, centros comerciais) disse, certa vez, que as funcionárias terceirizadas de shopping center de Brasília, por não conseguirem pronunciar os nomes das lojas, dividiam as tarefas de limpeza pela cor da loja: você limpa a loja azul, você limpa a loja amarela, você a branca, você a verde... Elas não conseguiam pronunciar os nomes em inglês, cuja pronúncia das vogais varia até de palavra para palavra, não é como as vogais em português, que tem pronúncia única independentemente de onde estejam localizadas.
Jornal Opção: No seu projeto há dispositivo para impedir esse tipo de abuso?
AR: Não impedir, mas talvez minorar o abuso obrigando que no mesmo espaço haja uma placa indicando o que aquele termo estrangeiro significa em português.
Jornal Opção: O socialismo foi derrotado pelo capitalismo?
AR: Não creio nisso, não sou tão pessimista em relação ao passado recente ou ao futuro do socialismo. Creio, por outro lado, que o capitalismo é um sistema em declínio. O que fracassou foi uma determinada experiência do socialismo, no caso o da União Soviética. Mas fracassou depois de alcançar êxitos importantes que não podem ser negligenciados. O socialismo foi responsável, na antiga União Soviética, pela maior experiência de desenvolvimento contínuo em um país que a história da humanidade conheceu. Foi durante o socialismo que a União Soviética enfrentou e derrotou, na mais sangrenta guerra de todos os tempos, a maior potência militar do planeta, eu era a Alemanha nazista, a um custo de mais de 20 milhões de vidas.
O socialismo soviético fracassou porque cometeu erros econômicos e políticos. Mas hoje, quando falamos de capitalismo e socialismo, olhamos para a China e ficamos momentaneamente sem respostas, porque se a China for, como penso que seja, um país socialista, significa que a experiência socialista reluz no país que mais cresce no mundo e que mais foi responsável pela redução da pobreza no mundo. Claro que alguém pode dizer que ali pode ser também uma experiência capitalista. Eu não creio nisso. Mas a resposta não é fácil nem simples. Acredito, ainda, que o mundo pode, no futuro, conhecer uma experiência socialista que tenha menos erros e que seja mais longeva que a da União Soviética.
Jornal Opção: A população brasileira já está apta a votar em um comunista para presidente da república?
AR: Eu nunca fiz essa pesquisa. Também nunca me interessei, porque não há ninguém cotado.
Jornal Opção: Pergunto por que parece haver uma carga de preconceito. O sr. diria que a sociedade já se despiu desse preconceito contra o comunismo?
AR: Ainda não sei se nossa população está apta a votar em um comunista, mas digo que o preconceito no Brasil tem diminuído bastante e não apenas com relação ao comunismo, mas em todos os setores.
Jornal Opção: No que se refere ao Código Florestal, um dos principais pontos de discussão entre ambientalistas e ruralistas é o artigo 27. Muitos ambientalistas o consideram uma anistia a fazendeiros, ou seja, esses produtores rurais poderiam cultivar em suas áreas de reserva legal e APPs enquanto não promovem a regularização fundiária. Eles estão certos? Ou falar em anistia seria exagero por parte dos ambientalistas?
AR: Não é exagero. É simplesmente um erro. Eles podem estar movidos pela ignorância, porque muitos não querem ter o trabalho de ler o Código, ou pela má-fé. Acredito que parte é ignorância e parte é má-fé. Principalmente, a má-fé vem das ONGs financiadas pelos europeus e americanos, que não são neutras e têm interesse em prestar serviço a seus financiadores. Nós não estamos oferecendo anistia a ninguém. A verdade é que estamos reproduzindo, no relatório, o artigo do decreto do presidente Lula, de novembro de 2009, que até junho de 2011 teria de entrar em vigor. Esse decreto oferece àqueles que infringiram a lei, ou seja, àqueles que não cumpriram os 20% de reserva legal em suas propriedades, a possibilidade de se regularizar por intermédio de um programa chamado Mais Ambiente. Qualquer um que tenha cometido uma infração se inscreve no Programa Mais Ambiente e a multa é convertida para um fundo de defesa do meio ambiente. É o que estamos propondo.
Se alguém cometer infração, adere-se ao programa de regularização ambiental e se compromete a ter reserva legal, caso não a tenha. Reduzimos o prazo para a regularização, inclusive, de 30, como estava no decreto, para 20 anos. A pessoa cumprirá 10% a cada dois anos, para não ter de reflorestar tudo de uma vez. A cada dois anos, ela tem de dizer que reflorestou 10% daquilo que tinha para fazer. Em 20 anos, completa os 100%. Está tudo isso no projeto. A diferença, que os ambientalistas não querem discutir, é que as condições para a legalização que oferecemos agora são mais favoráveis do que as do decreto do presidente Lula [Decreto 7029/09]. Isso, de fato, é o tema do debate. Nós oferecemos mais facilidades. Primeiro porque perdoamos de recomposição florestal àquelas pequenas propriedades de até quatro módulos fiscais. Segundo porque permitimos que se somassem regiões de reserva legal às áreas de preservação permanente, ou seja, juntas elas comporiam os 20% de preservação exigida por lei. Terceiro porque, pela nossa proposta, os grandes proprietários poderão recompor a reserva legal de suas fazendas em regiões fora de seu Estado, desde que seja do mesmo bioma, o que não era permitido antes. Não deve se proteger a Mata Atlântica? Pouco importa se ela se encontra em Alagoas ou no Piauí. Protege-se a Mata, ora. Nós oferecemos essas condições que, de fato, são mais favoráveis. Mas os ambientalistas não querem discuti-las. Eles optam por dizer que nós estamos anistiando. Se isso é anistia, o decreto de Lula também é anistia. Faz a mesma coisa. É a mesma redação, inclusive.
Jornal Opção: Percebe-se que o seu projeto recebe críticas às vezes da direita e às vezes da esquerda, ou seja, recebe censuras de todo lado. Por quê?
AR: Porque tem gente dos dois lados insatisfeita com as alterações e porque tem gente dos dois lados que não conhece o projeto. E tem quem, naturalmente, por ser de direita, terá dificuldade de apoiar o relatório de alguém do Partido Comunista, assim como há gente de esquerda que acha que o relatório feito por alguém do Partido Comunista não pode oferecer solução para um grande proprietário.
Jornal Opção: De acordo com o projeto de reforma do Código, imóveis rurais de até quatro módulos fiscais são desobrigados de ter reserva legal. Conversando com Mário Mantovani, da ONG Fundação SOS Mata Atlântica, ele disse que, durante as discussões para a elaboração da proposta, foi solicitado que se redigisse “imóveis de até quatro módulos fiscais, de agricultura familiar”, especificando o termo “agricultura familiar”. Segundo ele, ao não existir essa expressão, haveria uma brecha legal para que grandes proprietários fragmentassem suas propriedades. Sendo assim, mesmo os grandes escapariam da possibilidade de ter reservas legais. Essa brecha existe?
AR: Não há essa possibilidade porque já há legislação que proíbe isso. A reserva legal não é da propriedade e, sim, do conjunto de propriedades. Isso quer dizer que se determinado proprietário tem três fazendas no seu nome a reserva legal tem de ser calculada com base nas três. Ou seja, se ele tiver quatro módulos fiscais em Catalão, outros quatro em Rio Verde e mais quatro em Anápolis, todos no seu nome, juntam-se os 12 e calcula-se a reserva com base nisso.
Jornal Opção: Um exemplo dado pela ex-senadora Marina Silva (PV), para ilustrar essa situação, é que um grande proprietário pode fragmentar sua propriedade registrando as diversas partes no nome de outras pessoas. Coloca-as no nome da esposa, do caseiro ou de um parente. Dessa forma, a brecha não continua existindo?
AR: Não. Quando se fraciona uma propriedade, hoje, leva-se para a divisão a obrigatoriedade da reserva legal. Herdeiros de uma propriedade de 12 módulos, que foi fracionada em três imóveis de 4 módulos, herdarão também a obrigação de reserva legal. Já é assim hoje. Mantovani sabe disso. Ele não é dos ignorantes. O que ele não tem são argumentos. O que, para mim, é um ponto positivo.
Jornal Opção: Quanto às reduções de Áreas de Preservação Permanentes, as APPs, em rios de até cinco metros de largura. Muito se relacionou, na mídia, as catástrofes ocorridas recentemente no Rio de Janeiro à discussão do Código Florestal, atribuindo a ele responsabilidades. Tem a ver? Ou, como vocês dizem, as tragédias no Rio de Janeiro passam longe das discussões sobre a flexibilização do Código, vez que ele só legisla sobre áreas rurais?
AR: O Código Florestal tem tanto a ver com esses desastres do Rio de Janeiro como tem a ver com o dilúvio relatado na Bíblia. Também é falta de argumento. Não tem. Ora, uma casa desaba em Petrópolis, a culpa não é de quem está plantando arroz no Vale do Rio Formoso, no Tocantins, ou de quem está criando uma vaca em Rondônia? Não tem cabimento. A redução de 30 para 15 metros foi feita em comum acordo com o Ministério do Meio Ambiente. O MMA chegou a estar de acordo que essas áreas de preservação permanente de 15 metros pudessem valer para rios de até 10 metros de largura. Fui eu quem disse que riachos de até 5 metros eram suficientes e que a redução de APPs deveria apenas ser aplicada a eles. Porque são esses riachinhos que estão mais presentes nas pequenas propriedades. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e os grandes proprietários nem se interessaram por essa discussão. Porque para eles não faz diferença se a mata ciliar é de 30 metros ou de 15. Mas para o sujeito que tem até 40 hectares, em uma chácara com cinco pequenos rios passando, tirar 30 metros de cada lado nas encostas é inviável. Ele não terá como fazer um caminho dentro da própria propriedade, para poder passar por ele. Talvez ele não terá nem uma área para construir uma casa. Ele perde a propriedade toda. Aí, o pequeno agricultor se vê obrigado a vender a propriedade desvalorizada. Vende-a ou para o grande proprietário, que faz daquilo uma reserva legal, ou para um felizardo cidadão de classe média urbana - um médico, um advogado, um funcionário público - que vai transformar a propriedade produtiva em uma chácara de final de semana. Esse negócio não é bom. Eu não estou aqui para fazê-lo. Não é solução para nada. Conheço o drama do pequeno proprietário.
Jornal Opção: A lei Florestal atual, sem as alterações propostas pelo senhor no novo Código, chega a inviabilizar até 70% das pequenas propriedades?
AR: Exatamente. Conheci, inclusive, um cidadão do Ceará que se mudou para São Paulo correndo da seca. Conheci-o em Paraguaçu Paulista. E o que ele me disse? Que ele saiu do Ceará fugindo da seca, mas que agora quer voltar para a sua terra natal correndo da água. Ora, sua fazenda tinha muitos pequenos regos e ele praticamente, pelas exigências legais, perdia sua propriedade, que foi toda transformada em APP.
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