Um
quinto dessas moradias paradas está no Maranhão, estado com o maior déficit
habitacional relativo entre todas as unidades da Federação
É
em uma palafita, com esgoto que corre a céu aberto e sem água potável, que a
pescadora Genieli Ferreira, espera pela casa própria. Ela se inscreveu no Minha
Casa Minha Vida antes de ter o filho Carlos Daniel, hoje com quatro anos. Foi
contemplada no programa de habitação popular, mas ainda não recebeu as chaves
do imóvel. Grávida de cinco meses, Genieli tem esperança de se mudar antes do
segundo filho nascer.
“Só
quem mora aqui sabe o que é viver com o medo de o filho cair em uma dessas
pontes ou da maré derrubar sua casa”, diz a pescadora, referindo-se a uma das
passarelas para a passagem dos moradores. A água do mar apodrece as estacas de
madeira que sustentam as casas e obriga a troca de seis em seis meses. No mês
passado, Geniele chegou a visitar a casa que receberá do programa, mas não sabe
quando terá as chaves em mãos. “Tudo parou.”
De
acordo com o Ministério das Cidades, existem atualmente 50,1 mil moradias do
Minha Casa com obras paradas em todo o país. A de Genieli é uma delas. O
ministro Bruno Araújo disse que o governo está retomando a construção de 4 mil
a 5 mil casas por mês. Um quinto dessas moradias paradas está no Maranhão,
estado com o maior déficit habitacional relativo entre todas as unidades da
Federação, 22,1%, enquanto a taxa nacional é de 9%. Em termos absolutos, o
Estado tem carência de quase 400 mil moradias, segundo os dados mais atuais, de
2014.
A
reportagem visitou São Luís, Imperatriz e Zé Doca e encontrou canteiros de
obras que se transformaram em verdadeiras “cidades-fantasma”, enquanto famílias
que se inscreveram há mais de três anos para serem contempladas pelo programa
aguardam a sua vez de realizar o sonho da casa própria. Desde o início, o Minha
Casa teve o propósito de favorecer em maior escala as áreas com grande carência
de moradia e contribuir para a redução do déficit habitacional do País. A
interrupção das contratações e a paralisia das obras tendem a reverter a
evolução favorável dos últimos anos.
“Para
quem mora em palácio, é fácil dizer: ‘calma, sua casa um dia sai’“, diz a
pescadora, que recebe R$ 112 do Bolsa Família. Da janela da palafita onde mora,
ela consegue ver os três mil metros quadrados do Palácio dos Leões, residência
oficial e sede administrativa do governo do Maranhão. Da sacada do palácio, a
visão é a síntese do contraste social da capital maranhense: atrás das
palafitas, na Ponta do São Francisco, está localizado a Ponta d’Areia, região
nobre de São Luís, onde estão os condomínios de luxo que têm o metro quadrado
mais caro da capital.
Segundo
a prefeitura de São Luís, 11 mil casas foram entregues nos últimos três anos e
meio e outras sete mil estão em construção. Uma das contempladas foi Josilene
Pereira Coelho, que atualmente mora em um dos empreendimentos do programa, com
o marido e duas filhas. A palafita dela, vizinha à de Genieli, foi colocada à
venda, por R$ 1 mil.
Subsídio
Sem
dinheiro no caixa, o governo da presidente afastada Dilma Rousseff suspendeu
definitivamente em 2015 as contratações de moradias da chamada faixa 1 do
programa, a que contempla as famílias mais pobres, que ganham até R$ 1,8 mil
por mês. Para esse público, o subsídio chegava a ser de 95% do valor imóvel.
Além de não contratar novas casas, as construções pararam por causa dos atrasos
do pagamento às construtoras. O ano passado foi o ano que teve o pior resultado
de contratações do programa, desde que foi criado em 2009, ainda no governo
Lula.
Nesses
sete anos, o MCMV contratou mais de 4,3 milhões de moradias e entregou 2,8
milhões. O pico das contratações foi em 2013, um ano antes da campanha à
reeleição, quando a maior parte das casas foi inaugurada. O custo do programa
aos cofres públicos já ultrapassou os R$ 300 bilhões.
Ana
Maria Castelo, coordenadora de projetos de construção da FGV, diz que um dos
aspectos negativos do Minha Casa foi ele não ter sido transformado em uma
política de Estado, que tornasse o programa perene, com fontes de recursos
definidas. Ela acredita também que faltou inseri-lo num contexto mais amplo de
desenvolvimento urbano, com mobilidade e infraestrutura. Para Ana Maria, é de
se esperar que a interrupção do programa implique em uma “piora significativa”
do déficit habitacional.
Pelos
números mais atuais, o déficit por moradia alcançou 6,1 milhões de famílias em
2014. O estudo “Perenidade dos programas habitacionais” da Fundação Getúlio
Vargas mostra que, entre 2009 e 2012, período em que foram contratadas 56% das
moradias do MCMV, o déficit habitacional registrou queda de 9,5%. O componente
com maior redução foi a coabitação, ou seja, caiu o número de famílias que
compartilham o mesmo imóvel por falta de condições de adquirir outra moradia.
Déficit
Do
total de 6,1 milhões, segundo Ana Maria, 62% das famílias têm renda familiar de
R$ 1,6 mil (valor da renda máxima do faixa 1 nas duas primeiras etapas MCMV).
Essas famílias, segundo ela, não conseguem se inserir no mercado de crédito
tradicional e precisam de subsídios para adquirir uma moradia.
Na
comparação entre os números de 2009 e 2014, observa-se forte queda no número de
domicílios rústicos, aqueles sem paredes de alvenaria ou madeira aparelhada,
com risco de contaminação por doenças. Aumentou, porém, o peso excessivo do custo
do aluguel nas grandes cidades, índice medido pelo número de famílias com renda
de até três salários mínimos que gastam 30% ou mais de sua renda com aluguel.
O
déficit relativo - relação entre o déficit absoluto e o número de domicílios do
País - caiu de 10,1% para 9,1% nesses cinco anos, o que reflete o crescimento
expressivo da oferta habitacional. Entre 2009 e 2014, enquanto o número de
famílias aumentou 17%, o total de domicílios adequados cresceu 21%.
“Pior
que fazer habitação distante e de má qualidade, é não fazer”, afirma Luiz
Alberto de Campos, professor da Faculdade de Arquitetura da UnB. “A moradia
digna se reflete na saúde, na segurança, na educação. Sem ela, o país não tem
futuro.”
FONTE:
Gazeta do Povo/Estadão
Extraído
do portal: fetraconspar.org.br
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