Segundo a empresária, o esquema continua com o Ministro Manoel Dias
A empresária Ana Cristina Aquino diz que pagou propina para o
ex-ministro Carlos Lupi e que esquema para criação de sindicatos no Ministério
do Trabalho permanece na gestão de Manoel Dias
A empresária mineira Ana Cristina Aquino, 40 anos, é uma conhecedora dos
meandros da corrupção no Ministério do Trabalho e desde dezembro do ano passado
vem contando ao Ministério Público Federal tudo o que sabe. As revelações
feitas por ela tanto aos procuradores como à ISTOÉ mostram os detalhes da
atuação de uma máfia que age na criação de sindicatos – setor que movimenta
mais de R$ 2 bilhões por ano – e que, segundo a empresária, envolve diretamente
o ex-ministro e presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, e o atual ministro,
Manoel Dias. “Levei R$ 200 mil para o ministro Lupi numa mochilinha da Louis
Vuitton”, diz a empresária. De acordo com ela, o ministro Manoel Dias faz parte
do mesmo esquema.
E O ESQUEMA CONTINUA
Segundo a empresária Ana
Cristina Aquino, Manoel Dias, atual ministro do Trabalho, deu prosseguimento à
criação de sindicato pleiteado por ela
Ana Cristina é dona de duas transportadoras, a AG Log e a
AGX Log Transportes, e durante três anos fez parte da máfia que agora denuncia.
A Polícia Federal em Minas Gerais já tem indícios de que suas empresas serviam
como passagem para o dinheiro usado no pagamento das propinas para a criação de
sindicatos. Em apenas 24 meses, entre 2010 e 2012, a empresária trocou as
dificuldades de uma vida simples pelo luxo de ter avião particular,
helicóptero, uma mansão em Betim (MG) e até cinco carros importados na garagem.
Para ela, o esquema começou a ruir depois que ISTOÉ revelou, em outubro do ano
passado, que seu enriquecimento era alvo de uma investigação da PF. “Os antigos
parceiros me abandonaram. Estou sendo ameaçada, mas não vou pagar essa conta
sozinha”, diz Ana Cristina.
O advogado João Graça,
assessor especial do ministro Manoel Dias e homem de confiança do ex-ministro
Carlos Lupi, foi por dois anos sócio da AG Log e deixou a empresa depois de a
investigação da PF ser instalada. Segundo Ana Cristina, era ele o elo entre as
suas empresas e a máfia dos sindicatos no Ministério do Trabalho. Procurado por
ISTOÉ, Graça disse que as acusações “fazem parte de uma briga de mercado” e que
se manifestará apenas quando “conhecer todos os detalhes da denúncia.” A
empresária afirma que Graça estava com ela quando foram entregues os R$ 200 mil
ao então ministro Lupi. O Ministério Público tenta localizar as imagens da
portaria do Ministério para confirmar a informação. “Usamos o elevador do
ministro. O doutor João Graça manda naquele Ministério”, disse Ana Cristina. Em
seguida, ela lembra que, depois de receber o dinheiro, Lupi chegou a perguntar,
em tom de brincadeira, se estava sendo gravado. Na quinta-feira 23, Lupi disse
à ISTOÉ que só vai se manifestar quando tiver acesso aos documentos que Ana
Cristina diz ter entregue ao Ministério Público.
O enredo de corrupção narrado
pela empresária começa no segundo semestre de 2011, quando ela e seu grupo
decidiram montar o Sindicato dos Cegonheiros de Pernambuco (Sincepe) para
tentar abocanhar contratos milionários com montadoras que iriam se instalar no
Nordeste. Em outubro daquele ano, Ana Cristina protocolou o documento no
Ministério do Trabalho pedindo a expedição da carta sindical. Nessa época, o
advogado Graça já havia se transformado em um parceiro de negócios da AG Log,
por indicação do empresário Sérgio Gabardo, que, segundo Ana Cristina, era o
verdadeiro dono da transportadora e o responsável por todo o aporte milionário
de recursos para bancar as propinas. Segundo o relato da empresária, assim que
o registro foi pedido, o encontro no gabinete do então ministro do Trabalho foi
marcado pelo próprio Graça. De acordo com a empresária, Lupi afirmou que o
dinheiro pago naquele dia era apenas a entrada e que a aprovação do registro
sindical custaria R$ 3 milhões. Mais ainda: no dia seguinte, como disse Ana
Cristina, Lupi mandou o amigo João Graça avisá-la que, se o sindicato desse
certo e conseguisse arrecadação e bons contratos, ele também deveria participar
do negócio sendo dono de uma parte da frota do grupo AG.
Depois de receber R$ 200 mil e
prometer aos representantes da AG Log que o Sincepe seria criado em um prazo
recorde de 40 dias, Lupi foi varrido do cargo durante a faxina que a presidenta
Dilma Rousseff começava a fazer no seu governo. Ele foi demitido por
envolvimento em denúncias de corrupção, que incluíam exatamente os processos
irregulares de criação de sindicatos. Ana Cristina diz que o deputado Brizola
Neto (PDT-RJ), que assumiu no lugar de Lupi, tentou colocar um freio na
indústria dos sindicatos. Durante sua gestão, os trâmites para a oficialização
do sindicato pleiteado por Ana travaram. Mas Brizola Neto acabou perdendo o
apoio de seu próprio partido e foi afastado do Ministério 11 meses depois de
assumir. Em seu lugar tomou posse o atual ministro Manoel Dias, indicado por
Lupi e leal às práticas do PDT. A tramitação da expedição da carta sindical do
Sincepe no Ministério do Trabalho, obtida por ISTOÉ, mostra que na gestão de
Manoel Dias o processo voltou a correr. “Esse aí (o ministro Manoel Dias) ia
liberar. Só não liberou por causa da reportagem de ISTOÉ”, disse a empresária.
Segundo ela, depois de publicada a reportagem na revista, o advogado João Graça
marcou um encontro no Hotel Mercury, em São Paulo, e afirmou: “Fique calma,
esse ministro é nosso também”. Ana Cristina afirma que a conversa teria
prosseguido em uma espécie de monólogo de João Graça, em uma tentativa de
acalmá-la e evitar que ela denunciasse o esquema, como decidiu fazer. A
estratégia do grupo era convencê-la a assumir a culpa e, em troca, viabilizar
para ela e para a família o comando de um sindicato com amplos poderes e muito
dinheiro. O Sindicato de Cegonheiros de Pernambuco arrecadaria um percentual do
lucro bilionário do setor, além de acumular influência para interferir nos
contratos com montadoras que se instalassem na região. No caso do Sincepe, a
ideia era garantir que a Fiat fechasse um negócio bilionário com a AG Log.
Agora, as denúncias de Ana
Cristina deverão virar um inquérito formal no Ministério Público Federal. Aos
procuradores, além de depoimento, a empresária diz ter entregue uma série de
documentos. No meio da papelada estão extratos bancários, contratos sociais e
páginas de uma agenda manuscrita, em que estariam relacionados os destinatários
das propinas e os valores pagos.
Nas duas últimas semanas, a
empresária Ana Cristina Aquino conversou com ISTOÉ por cerca de duas horas.
Dona de um forte sotaque mineiro, ela autorizou que os encontros mantidos num
restaurante em Brasília fossem gravados e divulgados como entrevista. Disse
estar endividada e abandonada pelo grupo ao qual se associou em 2010 e que
desde então opera nos meandros do Ministério do Trabalho. Por causa disso é que
ela diz ter recorrido ao Ministério Público e avalia que tornar públicas suas
acusações é a melhor maneira de se proteger. Leia a seguir trechos dessas
conversas:
ISTOÉ - A sra. está tentando
criar um sindicato?
Ana Cristina Aquino – Desde
2011. Essa carta sindical iria sair na época do Carlos Lupi no Ministério do
Trabalho. O advogado João Graça, que é do PDT, foi contratado pela nossa
empresa justamente porque tinha ligações com o Lupi. Ele era a nossa garantia
de que o sindicato seria aprovado rapidamente.
ISTOÉ
- O então ministro Carlos Lupi recebeu dinheiro para viabilizar esse
sindicato?
Ana - Recebeu,
recebeu sim. Levei R$ 200 mil para ele. Carregando uma bolsa nas costas, fui
direto para o gabinete dele. Segurando uma mochilinha da Louis Vuitton. Não tem
aquelas compridinhas? Foi daquelas. Ele mandou desligar o telefone assim que eu
entrei. Disse: “Não está gravando não, né?” Eles são espertos!
ISTOÉ – Como a sra.
passou pela segurança na portaria do Ministério carregando tanto dinheiro
em uma mochila?
Ana - João
Graça passava por tudo que é lado!!! O doutor João mandava naquele Ministério.
ISTOÉ – Então a sra. entrou direto, sem passar pela segurança?
Ana
– Direto. Usamos o elevador do ministro.
ISTOÉ – Qual a origem do dinheiro
que foi entregue ao ministro?
Ana - O Sérgio
Gabardo (empresário acusado por Ana Cristina de ser o verdadeiro dono da AG
Log) me entregou o dinheiro e falou: “Esse aqui é para o ministro, para ajudar
nas obras sociais dele”. A gente riu.
ISTOÉ – Isso foi quando?
Ana – Isso foi
dois dias depois de sair o pedido de registro, lá para 2011. O próprio Lupi me
disse, na minha cara, que colocava o sindicato para sair em 40 dias.
Brincou que seria o código sindical mais rápido do Brasil.
ISTOÉ
– O registro iria custar os R$ 200 mil entregues ao Lupi?
Ana - Não iam
ser só R$ 200 mil, não. Essa carta sindical custaria R$ 3 milhões. Ele encheu o
olho porque se tratava de um sindicato cegonheiro e todo mundo já sabe que
cegonha dá muito dinheiro mesmo. Eles fantasiam uma coisa na cabeça deles. É
uma coisa em que todos acham que rola muita grana. Na época, o Lupi ainda falou
para o João Graça, que me contou, que, se desse certo de a gente pegar qualquer
serviço em Pernambuco, ele queria o direito a ter frotas na empresa.
Ocultamente. Claro que não seria no nome dele. Um ministro não poderia ter
frotas em uma cegonha de forma aberta.
ISTOÉ
- Por que o sindicato não saiu na gestão do ministro Brizola Neto?
Ana - Acho que
foi uma passagem rápida dele por lá. Não saiu porque ele não passou muito
tempo. E o João Graça não tinha ligação direta com o Brizola Neto como tem com
o Lupi.
ISTOÉ - E como está a questão,
atualmente, com o ministro Manoel Dias?
Ana - Esse aí
(o ministro Manoel Dias) era o que ia liberar esse código, agora! Era ele! Só
não liberou por causa da reportagem de ISTOÉ. Quando saiu a reportagem, o João
Graça foi encontrar comigo no hotel Mercury, em São Paulo. Chegou lá e disse
para eu ficar calada porque o registro sindical sairia de qualquer jeito.
Sentamos na primeira mesa do restaurante, ele olhou para mim e disse: “Fique
calma, esse ministro é nosso também”. Ele disse que o Manoel Dias era só de
fachada e quem dá as canetadas no Ministério ainda é o Lupi. Foram exatamente
essas as palavras que ele usou lá no hotel.
ISTOÉ – Por que a sra. resolveu dar dinheiro para criar o
sindicato?
Ana - Se a
gente não dá dinheiro a esse pessoal, não sai sindicato. Desconheço algum
registro que tenha saído sem gastar com propina.
FONTE: Revista Isto É